(Capítulo 2 do romance mediúnico “O Instituto Voltaire”.)


Benjamin Teixeira
pelo espírito
Gustavo Henrique.

O bosque em torno do Voltaire apresentava estranhas virações… Um frio horripilante pervagava a atmosfera, naquela noite de inverno. Embora, no plano físico, naquela região próxima à linha do Equador, a temperatura não descesse de 20°C, na dimensão extrafísica, parecia ostentar um frio de 5°C negativos, oscilando para menos. A noite, de fraco luar, deixava o ambiente menos tenebroso, mas só para suscitar ainda maior temor, naqueles que divisassem silhuetas indistinguíveis, em meio à penumbra…

Uivos estranhos, lamentos entrecortados de soluços abafados, gemidos e choros sustidos singravam os ares… Era perceptível que o bosque (que também continha pântano entre o arvoredo e matagais de baixa altura, em magotes espalhados pela área, entre zonas descampadas) estava apinhado de gente… e de gente que sofria… muito…

A região do umbral, em que se encontrava o Voltaire, era (como ainda hoje) abarrotada de almas padecentes e desorientadas, mas não propriamente malevolentes, que se perderam nas rotas entre a vida e a morte, rumo aos Planos Sublimes de Vida. Uma das mais precípuas funções do Instituto, por sinal, era aportar todas aquelas consciências desorientadas, oferecendo-lhes guarida, acolhimento, tratamento e orientação.

A certa altura da noite (seria melhor dizermos, “na calada da madrugada”, porque pouco já passava da meia-noite), um zumbido indefinível cruzou a atmosfera, fazendo irradiarem-se, no ambiente, de modo espetacular, fachos de luz branca azulada, como se meteoro cintilante descesse das alturas do infinito, na direção daquele trecho de escuridão desolada, fincada no chão… Aproximou-se, aproximou-se e, quando a luz se fazia perceber por várias centenas de metros, com clareza, e a quilômetros, como iridescência bruxuleante, um estrondo surdo, qual se algo forte e imponente tocasse o solo, trepidou nas redondezas do casarão Voltaire.

Um jovem maltrapilho, cujo corpo esquálido mal se escondia por detrás das vestes rotas e imundas, esgueira-se por entre arbustos distantes talvez vinte metros do ponto onde a Força tocara a terra… Que seria aquilo? Arrancado, por forte onda de curiosidade, de seu estado de torpor profundo, sem dormir, nem despertar, conseguiu, divisando, por trás de frondosa e vetusta linha de carvalhal, algo que lhe roubou a respiração, tamanho o assombro que dele se apossou.

Dentro de gigante foco de luz, como se a própria Lua houvesse despencado sobre a Terra, um vulto seráfico de mulher, majestosa à guisa de uma diva dos tempos antigos, como que deslizava alguns centímetros acima da superfície da pequena estrada que serpenteava o bosque, carregando intraduzível ar de sorriso e a bondade de mil mães a exalar-se-lhe dos olhos…

– Oh, Céus!!! Quem será este anjo??? – sussurrou o rapaz, de talvez pouco mais de vinte anos aparentes, entre os lábios, boquiaberto…

Jorros de luz turquesa; outras vezes, rósea; outras tantas, alaranjada, explodiam do seu tórax, como se um Sol místico pretendesse despregar-se de sua intimidade divinal… E… espetáculo dos espetáculos, filetes diversos de irradiação daquele coração sacrossanto desfechavam-se na direção das trevas em torno, alcançando, como projéteis da misericórdia de Deus, o peito e a fronte de vários vultos sombrios que, iluminados por seu clarão espiritual, faziam-se agora visíveis, estirados pelas raízes do arvoredo, ou chafurdando na lama do pântano em torno. Ao toque de cada chispa do fogo sublime, os contornos tenebrosos estremeciam e começavam a gemer mais alto, como a despertarem ou serem suavemente resgatados de terríveis e indescritíveis pesadelos e pandemônios interiores…

O rapaz, o mais lúcido entre todos que por aquelas plagas se deixavam ficar inertes, entregues à sorte de seu horror… resoluto e confiante, avançou em direção ao vulto magnífico de mulher-anjo, seguido, a cada passo, por cada vez maior número de almas deformadas, feridas, trôpegas e aterrorizadas, gementes e agonizantes muitas, algumas com lágrimas nos olhos, outras a distenderem os braços, desesperadas, na direção da figura santa de mãe celeste, que lhes parecia tragar a atenção e os corações… Quais mariposas desnorteadas, em busca da luz… eram corações devotos à procura de socorro… daquela que se lhes afigura última esperança…

A personalidade inefável de mulher divina, parecendo ignorar o que se passava em torno de si, prosseguia deslizando sobre o chão, reproduzindo, como que para não assustar quem lhe observasse, o movimento das pernas no caminhar, tocando mesmo o solo pedregoso, com seus pés mimosos de sílfide. Permanecia com os olhos fixos no Céu, abertos e sem piscar, no êxtase das almas santas, em visível estado de prece, com filetes sucessivos de lágrimas a verterem sobre sua fácies de beleza excelsa, enquanto, inesgotavelmente, esguichava jatos de luz… de seu coração redimido, tomado de amor irrestrito, incondicional e universal, por todas as entidades sofredoras que se asilavam nas sombras daquele lugar aparentemente esquecido de tudo e de todos…

Poucas centenas de metros depois, estacava à porta do Instituto Voltaire, e, sem que tocasse campainha ou fizesse qualquer gesto que indicasse sua presença, o portão central se abriu, gonzos gemendo mais uma vez, com o peso das colossais portas de madeira antiga…

Ela era esperada… e a multidão também… No centro do Instituto, com arquitetura semelhante aos conventos do pretérito, uma gigante área, em forma de praça singela e ajardinada, com lindos chafarizes e bancos acolhedores, propiciava atmosfera balsamizante e enternecedora, convidando à reflexão e à prece. Inúmeras entidades devotadas ao bem contornavam o grande átrio, posicionadas adrede para prestar os primeiros socorros à legião de almas sofredoras que, lentamente, apinhava-se no centro da construção.

Gerard, de pé, ao fundo da praça interna do Voltaire, aguardava a aproximação da Grande Mestra do Plano Superior. Distando dois metros apenas do diretor do Instituto, Ela se postou, descendo os olhos do firmamento e fitando os do mestre francês, estendendo os braços para ele e dizendo, por fim, com sua concomitantemente doce, imponente e poderosa voz de mulher:

– Meu filho!…

– Mamãe!… – conseguiu balbuciar, totalmente envolvido por invencíveis emoções, o chefe do Voltaire, que, com o peito soluçante, quase automaticamente, pôs-se genuflexo aos seus pés, beijando-lhe as mãos sucessivas vezes, entre lágrimas copiosas, como se fosse esta a única linguagem possível a traduzir seu amor e veneração.

Inúmeros componentes da organização, em oração, acompanhavam a cena, igualmente comovidos, algumas senhoras debulhando-se em lágrimas. A esta altura, entretanto, os portões, com o ranger ruidoso dos gonzos, fecharam-se, albergando aquele enorme núcleo de almas sofredoras. Fora de seu estado de prece, a figura mirífica de Sofia reduziu seu raio de aura, de algumas dezenas para “acanhados” cinco metros em torno de si, mas continuava a hipnotizar a atenção de todos que a acompanharam até ali, como se nada mais vissem, além de sua silhueta soberana… Diríamos mesmo que uma boa metáfora para esta cena inenarrável seria que o grande átrio, impregnado de calmantes energias, desprendidas sobretudo pela vibração sublime da Visitante Maior, tornara-se um útero de proporções ciclópicas, a aninhar, em seu imo, inúmeros filhinhos perdidos, com o sacrifício-felicidade de Um coração de mãe.

Os recém-chegados foram suavemente abordados por médicos, enfermeiros e paramédicos da instituição de clínica integral, sem que saíssem, quase todos, de seu estado semi-sonambúlico, sendo medicados, tratados em suas úlceras e auscultados em seus problemas psicofísicos. Alguns, prontamente, eram acondicionados em macas ou cadeiras de rodas e, sedados, conduzidos para o interior do estabelecimento, para melhor andamento dos socorros prestados.

Assim se dava a cada dois ou três meses… Era Ela o Sol de amor a descer, com enorme sacrifício para sua psique sensível, imergindo naquela psicosfera primitiva e conturbada, eclodindo luz para as trevas da ignorância e da insensibilidade humanas, destarte lotando os celeiros da clemência Divina, como aquela célula de trabalho, com os sofredores do mundo espiritual… Dali a mais 60 ou 90 dias, quando esses que ora se instalaram pudessem ser transferidos para instâncias superiores de refazimento, novamente viria Ela… a Enviada Direta da Mãe da Humanidade, carrear corações angustiados e perdidos, para o regaço de infinita bondade do Seio Divino…

(A cada sexta-feira, um novo capítulo deste romance mediúnico é aqui publicado. Acompanhe.)

(Texto psicografado em 15 de março de 2007. Revisão de Delano Mothé.)