Este artigo foi redigido com a intenção original de agradecer a Wagner, por sua tocante declaração de amor e brava disposição de expor uma camada mais profunda de sua identidade.

Wagner – ou Waguinho, como o chamamos na intimidade – exagerou em suas menções elogiosas a mim, por respeito a Quem e ao Que eu represento, com exceção de um ponto, que vou apresentar com humor: a forma como ele me abordou, durante mais de um ano.

Eu não saía “de fininho”, como ele elegantemente disse, esquivando-me dos abraços “estranhos” que ele me dava, ao final da fila de cumprimentos que acontecia ao término das palestras de domingos. Prefiro dizer que eu escapava deles aos “sustinhos” seguidos de “pulinhos” para trás – não sei se me faço compreender claramente… (risos).

O que creio seja mais importante registrar aqui são meus parabéns enfáticos pelo ritual de passagem de autodescoberta e imediata declaração pública que Wagner fez, de maneira exemplar.

Sou testemunha, de uma perspectiva obviamente privilegiada, de que ele pulou de uma etapa para outra de um processo complexo, profundo e melindroso, que leva – em cada uma dessas etapas, isoladamente consideradas – anos ou encarnações inteiras para se perfazer.

Para ser mais claro: Wagner começou a redigir sua corajosa demonstração pública de autenticidade no mesmo dia em que, recolhido em oração, deu-se conta de que tinha identidade gay e não bissexual.

O ato configura qualificada bravura da parte dele, por vivermos numa cultura em que, de ordinário – na minha e na opinião de diversos(as) observadores(as), inclusive das academias científicas que estudam a temática –, pessoas transgêneras (permitam-me a flexão para a feminilidade) disfarçam-se de gays, enquanto gays tentam se passar por bissexuais, bissexuais se acomodam à aparência de exclusiva heterossexualidade e, pior ainda, muitos desses indivíduos, não interessando em que segmento se encontram, dentro do amplo espectro de identidade de gênero e orientação sexual que constitui a sigla LGBTQIA, vivem vidas camufladas, completamente enquadrados em convenções sociais conservadoras, como se pertencessem ao grupo “padrão” de cisgêneros(as)-heterossexuais.

Se o que descrevi acima acontece mais ou menos de modo consciente ou inconsciente, para esse(a) ou aquele(a) cidadão(ã), não importa. O fato é que há muita fraude e hipocrisia, maldade e ódio gratuitos fomentadores de crimes hediondos, até mesmo no seio dos lares, incluindo os que se cometem contra crianças(!) – sobremaneira perpetrados (lamentável reconhecer) por enrustidos(as) de todos os matizes, que compõem a esmagadora maioria dos(as) LGBTfóbicos(as). Essa afirmação, faço-a com dolorosa e bem fundamentada convicção.

A Waguinho, meu muito sentido agradecimento, por me permitir viver, há 14 anos(!), uma experiência conjugal que não imaginava ser possível para mim, numa época de tantos casamentos heterossexuais destroçados, frequentemente quando filhos(as) do casal ainda se encontram em idade infantil, mesmo que tais laços sejam apoiados por familiares, amigos(as) e toda a sociedade heteronormativa.

Digo isso, a despeito de meu irrestrito apoio à liberdade que cônjuges têm de se divorciarem, é claro. Apenas, com essa constatação, embasada em assustadoras estatísticas, ofereço uma pálida ideia da dimensão indizível de dificuldades e desafios que Wagner e eu tivemos e temos que facear e atravessar, muito mais sujeitos que estamos a condenações injustas, não só pela condição de casal igualitário e interetário (Wagner é dezoito anos mais novo que eu), mas também por minha posição de figura pública, na área de atividade mais delicada para se assumir expressamente um matrimônio gay: a função de orientador espiritual.

Waguinho, meu príncipe, sei que a vivência deste consórcio com você é uma dádiva misericordiosa de Nossa Senhora Maria Cristo, que nos reflete a Infinita Bondade Divina. Mas é por essa exata razão que aproveito sua iniciativa louvável para reforçar o que venho fazendo, diante das câmeras de TV, desde 1994, quando comecei a fase de mais amplo alcance de meu sacerdócio de canal da Espiritualidade do Bem: a ardorosa defesa da causa LGBTQIA+ e de todas as minorias, da dignidade humana de ser, agir e sentir, dentro dos limites do respeito ao direito intransferível e inderrogável que cada criatura humana desfruta: o livre-arbítrio – justamente o que é violado de forma medonha, por preconceitos de toda sorte, mormente da parte daqueles(as) que, para cometerem esse horrendo crime, invocam sacrilegamente o Nome de Deus, com base em interpretações deturpadas de textos sagrados, debaixo de dogmas bisonhos e diabólicos que nada condizem com o autêntico Cristianismo e a genuína Espiritualidade.

Benjamin Teixeira de Aguiar
LaGrange, Nova York, EUA
8 de março de 2023