Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

É importante cuide-se não se seja preconceituoso, no que tange a ocupações e a sua forma de se ordenar no tempo.

Na época da fisiocracia como ideologia dominante, só eram considerados produtivos os que trabalhavam com latifúndios, agricultura, pecuária e extrativismo mineral.

Apesar disto, mesmo naqueles dias, os ainda quase-senhores-feudais, grandes proprietários de terras não se sentiam trabalhando, na administração de suas enormes glebas, verdadeiros formigueiros humanos de atividade, porque se entendia que apenas o trabalho braçal era de fato trabalho.

Artistas, até bem pouco tempo atrás, eram vistos como parasitas do tecido social; e mesmo professores (pasme-se!), até o século XVI, não eram tidos, afora raras exceções, propriamente como profissionais, mas mestres que por diletantismo ensinavam, sem rendimentos. Foi somente quando surgiu a escola em massa, no século supracitado, que se começou a compreender o magistério como um ofício “de verdade”.

Ainda hoje, apesar do avançadíssimo dos costumes e da tecnologia, em comparação a eras recuadas, criadores são mal vistos em suas funções, por uma mera questão de ignorância e pouca inteligência, no entendimento dos complexíssimos processos geratrizes da mente humana. Artistas e profissionais de áreas criativas, como artistas, publicitários e escritores (nem todos destes últimos poderiam ser chamados de literatos, propriamente, para incluí-los na categoria artística), sofrem “secas” do processo criador, e nada há que façam, nestes instantes difíceis de estranho vazio na alma, para que tornem a produzir, copiosa e qualificadamente, como lhes é habitual em fases férteis. Por isto, modernas empresas de tecnologia de ponta têm seus centros de criação parecidos mais com complexos de lazer e descanso que com conglomerados de trabalho, para justamente favorecerem a eclosão do voluntarioso e imprevisível mecanismo criativo (*).

Vê-se um escritor meditar durante três semanas ou três meses, à beira da praia, e pode-se pensar que se trata de um ocioso desavergonhado; e, após uma extensão dada de tempo de misteriosa gestação psíquica, ei-lo a “parir” uma obra magistral, disseminando conceitos e valores de forma elaborada e inovadora, ajudando e agregando valor a comunidades inteiras, quando não marca toda a humanidade com idéias revolucionárias.

Este período de espera e incubação, que para muitos parece simplesmente inércia improdutiva, costuma ser atormentado e intenso, na fermentação subliminar da ebulição criativa, até que a erupção final de produção aconteça, freneticamente, não raro levando seus pacientes (de fato padecem o fenômeno) a profundos estados de exaustão psíquica, como o do escritor que passa 30 horas seguidas a escrever, sem se levantar de seu gabinete, quase sem atender a necessidades fisiológicas mínimas.

Estas personalidades criativas, com freqüência, funcionam fora do relógio. Sua experiência de passagem do tempo é subjetiva, como o é para a mente feminina. Podem trabalhar alta hora da madrugada, podem estar dormindo ao meio dia, e o que parece inatividade ou desajuste, preguiça ou descaso, para eles constitui (e a vida toda o é para eles) um perpétuo gestar e fertilizar, para as obras do “gênio” que os consome (gênio aqui não propriamente no sentido de genialidade, mas aludindo ao princípio diretivo dos processos criativos, que parecem funcionar com vida própria e não conforme as determinações de seu “hospedeiro”, digamos assim).

Além de funcionarem fora dos conceitos normais de tempo e passagem de tempo, os criativos, outrossim, não costumam se enquadrar muito bem a convenções ou obrigações sociais, em que eles não apreendam um sentido, embora devam fazer esforço constante por se disciplinar, já que têm a natureza do caos (o caos que leva à criatividade, porque a desordem exige que se encontre uma ordem nova, em meio ao turbilhão de suas mentes, que não se encaixa nos modelos-padrões).

Respeite os fluxos e refluxos de sua mente. Dê tempo para que o criativo-meditativo desperte e se desenvolva em você próprio, reservando tempo à oração, à meditação, à reflexão, às interações mediúnicas disciplinadas (como em reuniões mediúnicas adequadamente dirigidas). Se você sente sua mente dar a impressão de estar a ponto de explodir, provavelmente você precisa deste tempo de extravasão e de criação.

Você não precisa ser um artista exímio, um grande escritor ou um médium espetacular. Você pode não produzir uma obra de arte que marque época (e isto não faria a menor diferença para os efeitos em sua alma), mas pode (e isto é o que importa): criar e recriar-se, no contexto de sua própria existência, para a sua e para a realização dos que partilham de sua intimidade.

Para tais ocasiões, ricas em impulsos auto-poiéticos (auto-criadores), não estabeleça critérios muito lineares e racionais: simplesmente deixe-se ser, solte-se, viva, respire, exista… E os fenômenos da alma acontecerão, por eles mesmos, segundo parâmetros que podem incomodá-lo ou mesmo chocá-lo, num primeiro momento, como tudo que é inovador e transformador em primeira mão, mas que, paulatinamente, mostrar-se-ão muito superiores ao estado anterior de coisas em que estava você, antes de eles espocarem em seu psiquismo e em sua vida…

(Texto recebido em 24 de janeiro de 2006.)

(*) A Microsoft é um bom exemplo destas empresas.
(Nota do Médium)